Cubatão (1996)
Haroldo de Campos
Nékuia: fogoazul em cubatão
Ecopoema para Marco Giannotti
o polegar baixando
danação
últimos lêmures
o êxito ao revés
/sem az (as)
(ar)
UL
onde a luz fosfórea
se deixa trespassar
de turvos oleodutos
onde a paisagem arma adamastóreos
gigantes-espantalhos
contra um funéreo-lúgubre
vapor de chumbo
onde está a fumaça ígnea
obnubila
pupilas que vigiam
desde o engaste
de córneas sanguinosas
o monstro entrevoado
esputa
aços e cartilagens
masti-
comendo os bofes sulfurentos
inferno à beira-céu?
a subcéu? contra? anti?
sob a calota de
azul fantasmagóreo-
peso de metileni
recalcando (pêsames!)
corcundas almas penitentes:
assim
do ecológico verde
viridente infantes folhas
sai esse azul lutuoso
esse mutante
fogoazul
de céu postiço
que carregamos como um
cataplasma
um emplastro leproso
uma dorida
mochila de penúria
cubatão é isso:
retorcida entre tubos -
tubulada
como se um grosso
intestino exorbitante: fel
em borborigmos
de fel
o contracéu fajuto
que nos força a
descer (mesmo subundo) -
o azul lermúreo
que cavo nos socava
(à flor da terra)
para baixo da terra
como se nas fundas
íntimas entranhas
de um vulcânico
geodo gutural -
metal voraginoso
fogoazul
céu enfermiço:
céu-de-fel
dossel bilioso
e a luz que dele raia não
radia
o riso das esferas: antes
cruza espadas como flamas
de arcanjos noctibundos
deplorado
a danação do
bicho humano -
alma-de-vida
que corroeu seu âmbito:
o habitáculo
edênico
o ambirino
recesso de equilíbrio
e fotossíntese
onde a princesa clorofila
vela
transida de terror
cubatão é isso:
ferruginoso inferno
lixo atômico
verejeiras de pus azul zumbindo
no extremo limite da paciência
entre gigantes -
espantalhos
que - fosfóreis
pastores -
adamastoram
o turbi-
noso
tempo
turbulento
entre os aços
expostos como
ossos
de medonhas
usinas
de sufoco
entre rajadas
de raios
solferino
asfixiados
por voragens de
grisácea matéria de
fumaça -
sob um céu
varinoso:
azul
ruinoso
ex-céi:
um verde
um víride rebento
insinuado
filipende -
grumo
broto
esperma
vegetal
de uma (des?)
esperada
esperança
o bicho-homem
dorme:
no seu sonho
uma florada verdecloro
(primavera!)
primaverdece