Sala Vermelha (1994)
O interior de um edifício antigo foi impregnado por um pigmento vermelho muito intenso. a sala se tornou uma grande pintura: além das paredes pigmentadas, as janelas que ocupavam a parede lateral são pintadas com azul e preto, obstruindo deste modo a possibilidade de se ver algo além do seu interior. Na parede seguinte, saturadas com a mesma cor, criei janelas imaginárias, tão reais quanto aquelas que foram obstruídas.
As fachadas presentes nas telas de grandes dimensões da exposição do Masp são “transferidas” neste caso para uma parede real, recortada por janelas já existentes. um ambiente saturado de vermelho, onde respiramos a cor até impregnar os pulmões. os pigmentos são extremamente voláteis, desgarram-se dos objetos e flutuam no ar com uma incrível facilidade procurei trabalhar a cor antes da forma. os objetos são impregnados por uma cor vermelha (a cor do espaço) que os torna indiferenciados, são veículos para uma cor que os transcende.
Imaginei, ao fazer este trabalho, um olhar cego, incapaz de ver algo a não ser os pequenos vasos sanguíneos que o alimentam. um olhar interior, voltado para si mesmo, que proporcionasse a sensação de uma cor intensa antes de se sedimentar nos objetos.
Procurei fazer com que o pigmento vermelho adquirisse um caráter expressivo. Embora “matadouro” possa sugerir uma dimensão simbólica para o vermelho, não pensei nisso enquanto executava o trabalho. o atelier Rouge de Matisse e Desvio para o vermelho de Cildo Meireles foram referências básicas. Matisse neste quadro coloca definitivamente a cor antes da forma, pois os objetos são envolvidos por um vermelho (a cor do espaço). Já a instalação de Cildo faz uma sofisticada ironia (que evoca a ironia pop de oldenburg) sobre os objetos de consumo com os quais convivemos diariamente. Cildo reproduz uma sala típica de classe média, onde todos os objetos são vermelhos (a máquina de escrever, o tapete, o sofá, o peixe matissiano no aquário), de modo que objetos perdem o seu valor e se tornam indiferenciados pela cor. os objetos em ambos os casos se transformam em matéria para uma cor transcendente. Criar um ambiente não significa criar um cenário.
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Não pensei em um âmbito teatral, não procurei criar um espaço para uma ação dramática. sem uma coerência interna, a obra de arte se dilui no mundo. a sala vermelha não está em um ambiente, ela cria um ambiente, um lugar imaginário onde a cor do espaço se transforma no espaço da cor.